sexta-feira, 9 de maio de 2014







EUA, Estado bandido.

Onde foi parar a Democracia dos EUA?

 

Paul Craig Roberts

Alguém que olhasse cuidadosamente por trás do véu de palavras ocas, não vislumbraria a democracia nos EUA. Tenho escrito por anos que o governo dos Estados Unidos deixou a muito de prestar contas à lei e ao povo (veja, por exemplo, meu livro (How America Was Lost – Como os EUA se perderam). Puseram de lado a Constituição e o poder executivo está degenerando em absolutismo.


As agendas que resultam da relação simbiótica entre a ideologia neoconservadora da hegemonia dos Estados Unidos e os interesses econômicos de poderosos grupos privados estão sendo impostas ao governo, tais como as agendas de Wall Street, do complexo segurança/exército, do lobby israelense, agronegócios e indústria extrativa (energia, mineração e madeira). Os meios pelos quais essa hegemonia cresce e se mantém são a imposição imperialista do dólar, ameaças, subornos e guerras. Tais objetivos são perseguidos sem qualquer aprovação ou conhecimento e apesar da eventual desaprovação do povo americano.

O professor Martin Giles, da Universidade Princeton e o professor Benjamin Page da Universidade Northwestern, analisaram a fundo o modo de governo americano e chegaram à conclusão que os Estados Unidos têm um governo oligárquico, dirigido por ricos e poderosos grupos do interesse privado e que os Estados Unidos apenas superficialmente se assemelham a uma democracia. Sua análise foi publicada recentemente no jornal Perspectives on Politics (Perspectivas Políticas).

Suas conclusões são chocantes:

“O ponto central que emerge de nossa pesquisa é que os grupos organizados e elites econômicas que representam os interesses empresariais têm seu próprio e substancial impacto na política governamental dos Estados Unidos, enquanto os grupos de interesse da base e de cidadãos comuns têm pouca ou nenhuma influência própria.”

“Quando há discordância entre a maioria dos cidadãos e as elites e/ou grupos organizados dos interesses empresariais, geralmente os cidadãos levam desvantagem.”

“Descobrimos que nos Estados Unidos, atualmente a maioria não tem a força de determinar – pelo menos como causa – os resultados de nossa política.”

“Estatisticamente, as prioridades do cidadão americano comum tem somente um reflexo quase nulo, perto de zero, sem importância, sobre as políticas públicas.”

Vários fatores contribuíram para a decadência da democracia e da responsabilidade governamental nos Estados Unidos. Um deles foi a concentração, em poucas mãos, a mídia dos EUA. Nos últimos anos do governo Clinton, uma antiga mídia diversificada, com grande independência, concentrou-se em cinco megacorporações. As licenças federais para transmissões constituem a maior parte do valor dessas corporações. Inseguras quanto à renovação dessas licenças, a mídia evita posições frontais ao governo em questões importantes.


Outro fator é a deslocalização (offshoring – busca por mão de obra barata e melhores condições fiscais em outros países [NT]) industrial e de postos de trabalho na indústria de transformação.  Essa mórbida evolução causou a destruição dos sindicatos da indústria e de seus trabalhadores, que eram a coluna vertebral dos apoiadores e financiadores do Partido Democrata. Agora, os Democratas têm que buscar os mesmos grupos de interesse que os Republicanos – Wall Street, o complexo segurança/exército, e as indústrias poluidoras que destroem o meio ambiente. Como os partidos políticos são agora financiados pelos mesmos grupos de interesses privados, servem aos mesmos patrões. Não há mais contraponto ao poder. O regime de Obama é uma continuação servil do regime de George W. Bush.

Duas decisões recentemente emitidas pela maioria republicana na Suprema Corte dos EUA é outro fator decisivo. A Corte acordou que é mero exercício de livre expressão a compra pelos oligarcas do governo americano (Citizens vs. Federal Election Commission – e – McCutcheon vs. Federal Election Commission). Uma Suprema Corte corrupta inventou um “direito constitucional” para permitir que oligarcas e corporações usem seus imensos recursos financeiros para formar um governo à sua escolha. Os interesses privados nos Estados Unidos são tão poderosos que podem até mesmo comprar imunidade perante a lei. James Kidney, procurador a se aposentar da Securities and Exchange Commission – SEC (comissão de títulos e valores mobiliários), afirmou que os procedimentos contra crimes financeiros do Goldman Sachs e outros bancos gigantescos dos Estados Unidos “foram bloqueados por funcionários nomeados politicamente, que se concentram em obter trabalho muito bem remunerado ao deixar o funcionalismo.”

Recentemente, realizou-se um teste para testar a receptividade dos membros do congresso aos interesses financeiros em contraposição aos interesses de seus eleitores. Duas cartas foram enviadas aos gabinetes dos congressistas. Uma carta convidava o representante a reunir-se com grupos comunitários de seu distrito. A outra convidava o representante para uma reunião com ativos doadores de campanhas políticas. A segunda carta recebeu dos membros do congresso muito mais respostas que a primeira.

Há nos Estados Unidos e na Europa uma constante propaganda sobre a “Rússia, Estado bandido”. Segundo esta propaganda o presidente Putin é apenas um instrumento dos oligarcas russos que o usam para governar ao seu talante e explorar o povo. Esta propaganda, em minha opinião, se origina nas ONGs fundadas por Washington e que constituem uma quinta-coluna infiltrada na Rússia. O objetivo da propaganda é destruir a legitimidade de Putin e de seu governo, na esperança de emplacar no poder um governo moscovita submisso a Washington.

Minha impressão é que o governo russo restringiu as atividades de alguns oligarcas que se aproveitaram da era das privatizações para assumir o controle dos recursos russos, mas que as ações governamentais tomadas nesse sentido obedeceram aos imperativos legais. Em oposição, temos que nos Estados Unidos os oligarcas controlam a lei e a usam para adquirir imunidade legal.


O verdadeiro Estado bandido são os EUA. Todas as suas instituições são corruptas. Funcionários de agências reguladoras vendem proteção em troca de posteriores empregos regiamente pagos nas indústrias que deveriam supostamente fiscalizar. A Suprema Corte não apenas permite que o poder econômico compre o governo, mas também se vende, colocando para escanteio a constituição em favor do Estado policial. A suprema Corte acaba de se recusar a examinar o caso contra a detenção indefinida de cidadãos dos Estados Unidos sem o devido processo legal. Indubitavelmente é uma legislação inconstitucional, mas a Suprema Corte se recusa a examinar o caso, enquanto garante poderes policiais incontrolados ao Estado bandido. http://rt.com/usa/156172-scotus-ndaa-hedges-obama/

Criminalizar a dissensão e quem fala a verdade é outra característica que define o Estado bandido. Washington está fazendo tudo o que pode para criminalizar Julian Assange e Edward Snowden por terem revelado as ações inconstitucionais, ilegais e criminosas do governo dos Estados Unidos. O cheiro mau da hipocrisia tresanda de Washington. Em 26 de abril o Departamento de Estado anunciou sua terceira campanha de imprensa livre, um exercício de propaganda dirigida aos Estados estrangeiros que ainda não são marionetes dos Estados Unidos. No mesmo dia, o Departamento de Justiça disse à Suprema Corte que retire a proteção aos jornalistas dos Estados Unidos que, ao abrigo da Constituição, se recusam a revelar suas fontes, e por causa disso James Risen pode vir a ser preso por ter revelado delitos governamentais. HTTPS://pressfreedomfoundation.org/blog/2014/04/state-dept-launches-free-press-campaign-while-doj-supreme-court-force-reporter

No século 21, Washington desperdiçou trilhões de dólares em guerras que destruíram países e mataram, mutilaram e deslocaram milhões de pessoas em sete ou oito países. Declarando que tais crimes de guerra são a “guerra ao terror”, Washington usa o estado de guerra permanente que criou para destruir as liberdades civis dos Estados Unidos.

É muito difícil encontrar no decorrer do século 21, uma declaração importante de Washington que não seja uma mentira. O Obamacare é uma mentira. Armas de destruição em massa supostamente na posse de Saddam Hussein é uma mentira. O uso por Assad de armas químicas é uma mentira. As bombas iranianas: mentira. A suposta invasão e anexação da Criméia pela Rússia é uma mentira. Zonas de exclusão aérea são mentirosas. A agressão russa à Geórgia é uma mentira. Até o próprio atentado de 9/11, a base através da qual Washington justifica a destruição dos direitos civis e ataques militares ilegais, também é uma mentira. A história da carochinha de que alguns árabes sauditas sem o apoio de nenhum governo ou agência de inteligência enganou espetacularmente todo o fantástico aparato de segurança nacional do mundo ocidental é inacreditável. Simplesmente não é crível que todas as instituições da segurança nacional falharam ao mesmo tempo. A ousadia de Washington em contar esse amontoado de mentiras mostra que não tem o menor respeito pela inteligência do povo americano, assim como pela integridade da mídia dos Estados Unidos. Mostra também que Washington também não respeita a inteligência e integridade de seus aliados na Europa e na Ásia.

Em comparação, sequer nas pequenas coisas Washington diz a verdade: trabalho, desemprego, inflação, crescimento do PIB, recuperação econômica. Washington manipula o mercado para encobrir o sacrifício da economia do país para beneficiar alguns interesses especiais. Em nome da “privatização” Washington abre mão de interesse público e responsabilidade governamental, para favorecer a rapina de interesses privados.

A conclusão da qual não se escapa é que Washington é um estado bandido. Na realidade, os Estados Unidos não são apenas um estado bandido. São uma vergonhosa e exploradora tirania.


Paul Craig Roberts
(nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da ReaganomicsEx-editor e colunista do Wall Street JournalBusiness Week e Scripps Howard News ServiceTestemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch e no Information Clearing House, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.

Tradução: mberublue
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