EUA, Estado bandido.
Onde foi parar a Democracia dos EUA?
Paul Craig Roberts
Alguém
que olhasse cuidadosamente por trás do véu de palavras ocas, não vislumbraria a
democracia nos EUA. Tenho escrito por anos que o governo dos Estados Unidos
deixou a muito de prestar contas à lei e ao povo (veja, por exemplo, meu livro (How America Was Lost – Como os EUA se
perderam). Puseram de lado a Constituição e o poder executivo está degenerando
em absolutismo.
As
agendas que resultam da relação simbiótica entre a ideologia neoconservadora da
hegemonia dos Estados Unidos e os interesses econômicos de poderosos grupos
privados estão sendo impostas ao governo, tais como as agendas de Wall Street, do
complexo segurança/exército, do lobby israelense, agronegócios e indústria
extrativa (energia, mineração e madeira). Os meios pelos quais essa hegemonia cresce
e se mantém são a imposição imperialista do dólar, ameaças, subornos e guerras.
Tais objetivos são perseguidos sem qualquer aprovação ou conhecimento e apesar
da eventual desaprovação do povo americano.
O
professor Martin Giles, da Universidade Princeton e o professor Benjamin Page
da Universidade Northwestern, analisaram a fundo o modo de governo americano e
chegaram à conclusão que os Estados Unidos têm um governo oligárquico, dirigido
por ricos e poderosos grupos do interesse privado e que os Estados Unidos
apenas superficialmente se assemelham a uma democracia. Sua análise foi
publicada recentemente no jornal Perspectives
on Politics (Perspectivas Políticas).
Suas
conclusões são chocantes:
“O
ponto central que emerge de nossa pesquisa é que os grupos organizados e elites
econômicas que representam os interesses empresariais têm seu próprio e
substancial impacto na política governamental dos Estados Unidos, enquanto os
grupos de interesse da base e de cidadãos comuns têm pouca ou nenhuma influência
própria.”
“Quando
há discordância entre a maioria dos cidadãos e as elites e/ou grupos
organizados dos interesses empresariais, geralmente os cidadãos levam
desvantagem.”
“Descobrimos
que nos Estados Unidos, atualmente a maioria não tem a força de determinar –
pelo menos como causa – os resultados de nossa política.”
“Estatisticamente,
as prioridades do cidadão americano comum tem somente um reflexo quase nulo,
perto de zero, sem importância, sobre as políticas públicas.”
Vários
fatores contribuíram para a decadência da democracia e da responsabilidade
governamental nos Estados Unidos. Um deles foi a concentração, em poucas mãos, a
mídia dos EUA. Nos últimos anos do governo Clinton, uma antiga mídia
diversificada, com grande independência, concentrou-se em cinco
megacorporações. As licenças federais para transmissões constituem a maior
parte do valor dessas corporações. Inseguras quanto à renovação dessas
licenças, a mídia evita posições frontais ao governo em questões importantes.
Outro
fator é a deslocalização (offshoring –
busca por mão de obra barata e melhores condições fiscais em outros países [NT])
industrial e de postos de trabalho na indústria de transformação. Essa mórbida evolução causou a destruição dos
sindicatos da indústria e de seus trabalhadores, que eram a coluna vertebral
dos apoiadores e financiadores do Partido Democrata. Agora, os Democratas têm
que buscar os mesmos grupos de interesse que os Republicanos – Wall Street, o
complexo segurança/exército, e as indústrias poluidoras que destroem o meio
ambiente. Como os partidos políticos são agora financiados pelos mesmos grupos
de interesses privados, servem aos mesmos patrões. Não há mais contraponto ao
poder. O regime de Obama é uma continuação servil do regime de George W. Bush.
Duas
decisões recentemente emitidas pela maioria republicana na Suprema Corte dos
EUA é outro fator decisivo. A Corte acordou que é mero exercício de livre
expressão a compra pelos oligarcas do governo americano (Citizens vs. Federal Election Commission – e – McCutcheon vs. Federal
Election Commission). Uma Suprema Corte corrupta inventou um “direito
constitucional” para permitir que oligarcas e corporações usem seus imensos
recursos financeiros para formar um governo à sua escolha. Os interesses
privados nos Estados Unidos são tão poderosos que podem até mesmo comprar
imunidade perante a lei. James Kidney, procurador a se aposentar da Securities
and Exchange Commission – SEC (comissão de títulos e valores mobiliários),
afirmou que os procedimentos contra crimes financeiros do Goldman Sachs e
outros bancos gigantescos dos Estados Unidos “foram bloqueados por funcionários
nomeados politicamente, que se concentram em obter trabalho muito bem
remunerado ao deixar o funcionalismo.”
Recentemente,
realizou-se um teste para testar a receptividade dos membros do congresso aos
interesses financeiros em contraposição aos interesses de seus eleitores. Duas
cartas foram enviadas aos gabinetes dos congressistas. Uma carta convidava o
representante a reunir-se com grupos comunitários de seu distrito. A outra convidava
o representante para uma reunião com ativos doadores de campanhas políticas. A
segunda carta recebeu dos membros do congresso muito mais respostas que a
primeira.
Há
nos Estados Unidos e na Europa uma constante propaganda sobre a “Rússia, Estado
bandido”. Segundo esta propaganda o presidente Putin é apenas um instrumento
dos oligarcas russos que o usam para governar ao seu talante e explorar o povo.
Esta propaganda, em minha opinião, se origina nas ONGs fundadas por Washington
e que constituem uma quinta-coluna infiltrada na Rússia. O objetivo da
propaganda é destruir a legitimidade de Putin e de seu governo, na esperança de
emplacar no poder um governo moscovita submisso a Washington.
Minha
impressão é que o governo russo restringiu as atividades de alguns oligarcas
que se aproveitaram da era das privatizações para assumir o controle dos
recursos russos, mas que as ações governamentais tomadas nesse sentido obedeceram
aos imperativos legais. Em oposição, temos que nos Estados Unidos os oligarcas
controlam a lei e a usam para adquirir imunidade legal.
O
verdadeiro Estado bandido são os EUA. Todas as suas instituições são corruptas.
Funcionários de agências reguladoras vendem proteção em troca de posteriores
empregos regiamente pagos nas indústrias que deveriam supostamente fiscalizar.
A Suprema Corte não apenas permite que o poder econômico compre o governo, mas
também se vende, colocando para escanteio a constituição em favor do Estado
policial. A suprema Corte acaba de se recusar a examinar o caso contra a
detenção indefinida de cidadãos dos Estados Unidos sem o devido processo legal.
Indubitavelmente é uma legislação inconstitucional, mas a Suprema Corte se
recusa a examinar o caso, enquanto garante poderes policiais incontrolados ao
Estado bandido. http://rt.com/usa/156172-scotus-ndaa-hedges-obama/
Criminalizar
a dissensão e quem fala a verdade é outra característica que define o Estado
bandido. Washington está fazendo tudo o que pode para criminalizar Julian
Assange e Edward Snowden por terem revelado as ações inconstitucionais, ilegais
e criminosas do governo dos Estados Unidos. O cheiro mau da hipocrisia tresanda
de Washington. Em 26 de abril o Departamento de Estado anunciou sua terceira
campanha de imprensa livre, um exercício de propaganda dirigida aos Estados
estrangeiros que ainda não são marionetes dos Estados Unidos. No mesmo dia, o
Departamento de Justiça disse à Suprema Corte que retire a proteção aos
jornalistas dos Estados Unidos que, ao abrigo da Constituição, se recusam a
revelar suas fontes, e por causa disso James Risen pode vir a ser preso por ter
revelado delitos governamentais. HTTPS://pressfreedomfoundation.org/blog/2014/04/state-dept-launches-free-press-campaign-while-doj-supreme-court-force-reporter
No
século 21, Washington desperdiçou trilhões de dólares em guerras que destruíram
países e mataram, mutilaram e deslocaram milhões de pessoas em sete ou oito
países. Declarando que tais crimes de guerra são a “guerra ao terror”,
Washington usa o estado de guerra permanente que criou para destruir as liberdades
civis dos Estados Unidos.
É
muito difícil encontrar no decorrer do século 21, uma declaração importante de
Washington que não seja uma mentira. O Obamacare é uma mentira. Armas de
destruição em massa supostamente na posse de Saddam Hussein é uma mentira. O
uso por Assad de armas químicas é uma mentira. As bombas iranianas: mentira. A
suposta invasão e anexação da Criméia pela Rússia é uma mentira. Zonas de exclusão
aérea são mentirosas. A agressão russa à Geórgia é uma mentira. Até o próprio
atentado de 9/11, a base através da qual Washington justifica a destruição dos
direitos civis e ataques militares ilegais, também é uma mentira. A história da
carochinha de que alguns árabes sauditas sem o apoio de nenhum governo ou agência
de inteligência enganou espetacularmente todo o fantástico aparato de segurança
nacional do mundo ocidental é inacreditável. Simplesmente não é crível que
todas as instituições da segurança nacional falharam ao mesmo tempo. A ousadia
de Washington em contar esse amontoado de mentiras mostra que não tem o menor
respeito pela inteligência do povo americano, assim como pela integridade da mídia
dos Estados Unidos. Mostra também que Washington também não respeita a
inteligência e integridade de seus aliados na Europa e na Ásia.
Em
comparação, sequer nas pequenas coisas Washington diz a verdade: trabalho, desemprego,
inflação, crescimento do PIB, recuperação econômica. Washington manipula o
mercado para encobrir o sacrifício da economia do país para beneficiar alguns
interesses especiais. Em nome da “privatização” Washington abre mão de
interesse público e responsabilidade governamental, para favorecer a rapina de interesses
privados.
A
conclusão da qual não se escapa é que Washington é um estado bandido. Na
realidade, os Estados Unidos não são apenas um estado bandido. São uma
vergonhosa e exploradora tirania.
Paul
Craig Roberts
(nascido em 03 de
abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators
Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração
Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street Journal, Business
Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em
questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem
frequentemente publicado em Counterpunch e no Information
Clearing House, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações
Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele
diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da
Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo
legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à
guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e
ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de
Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade
de Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na
Faculdade de Merton, Oxford University.
Tradução: mberublue
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