sábado, 17 de maio de 2014

Guerras, assassinatos e sanções.





por John Kozy
 Publicado inicialmente em GlobalResearch em 16 de maio de 2014



“O líder do mundo livre” – é assim que os EUA gostam de chamar a si mesmos. Difícil atinar porque alguém acreditaria. Obviamente, as pessoas aqui não são mais livres que as de qualquer outra nação. Pergunte a um americano no que ele é mais livre que qualquer cidadão da Holanda para fazer o que quiser e espere para ver se ouvirá qualquer resposta significativa. Levando-se em conta apenas o tamanho do PIB, claro que os EUA são uma grande economia, trata-se afinal, de um grande país. Apenas Canadá e Rússia são maiores em extensão territorial, mas suas populações são menores. E os Estados Unidos nem são tão bem governados assim. Enquanto uma minoria de americanos é obscenamente rica, outros mal ganham o suficiente para sobreviver.  Embora a nação como um todo seja evidentemente próspera, grande parte da população é muito pobre. Seu poderio militar é enorme; suas vitórias, ínfimas. Henry Kissinger certa vez disse: “em minha vida, vi quatro guerras que começaram com grande entusiasmo e apoio público, todas elas não sabíamos como terminar e de três delas nos retiramos unilateralmente”. Já não se ganha ou se perde uma guerra. Ela, como velhos soldados, simplesmente acaba. Umair Haque, diretor do Havas Media Labs, e tido como um dos mais influentes pensadores de gestão do mundo pela Thinkers50, escreveu na “Harvard Business Review” a seguinte descrição dos Estados Unidos contemporâneo:


“Os Estados Unidos são ricos em que? Começa a parecer pobre, para as pessoas comuns. Sua infraestrutura está a desmoronar. Seu sistema educacional educa mal. Seu sistema de saúde é simplesmente inexistente. Posso atravessar a Europa em um trem de alta velocidade em oito horas; mal posso ir de Washington a Boston em nove. Pior que isso, os EUA estão estragando seus suprimentos de água e comida através do constante envenenamento por energia poluente, enquanto o resto do mundo rico a está trocando por energia renovável. Os Estados Unidos são flagrantemente deficitários em todos os serviços públicos de educação, saúde, transporte, energia, infraestrutura, para não dizer de outros não mencionados mas não menos importantes: parques, centros comunitários e serviços sociais”.

Assim, mesmo dizendo ser o líder do mundo livre e enquanto tenta ensinar o mundo como governar, ao olhar para si mesmo, como raramente faz, só vê um idiota consumado.


Feira de armas na Virgínia, EUA
A política implementada continuará a mesma, por mais persistentemente se prove ser errada e ineficiente. A “guerra às drogas”, iniciada em 1971, tem sido tão desastrosa que vários estados legalizaram substâncias ainda banidas pelo governo federal. A dependência viciosa a políticas econômicas há tempos desacreditadas quebrou o mundo duas vezes nos últimos setenta anos. As ruas dos Estados Unidos viraram um campo de batalha pela constante recusa em adotar qualquer medida contra a propriedade de armas. Por muito que os EUA sejam tolos em suas políticas internas, conseguem igualar o feito no trato com outros países. Tome, por exemplo, a política de induzir outros países a mudar através de sanções. A aplicação de sanções é uma forma de guerra econômica e como a guerra real, ambas as partes em luta sofrem baixas. Como as guerras reais, as guerras econômicas raramente têm vencedores constantes. Sanções têm sido aplicadas em pelo menos vinte e cinco “conflitos” internacionais. Nada na lista do Departamento do Tesouro mostra que a meta estabelecida foi alcançada com sucesso. Hoje, aplicam-se sanções contra sete países: Cuba (desde 1960); Irã (1979), Myanmar (1997), Coréia do Norte (1993), Costa do Marfim (2006), Síria (2012) e Rússia (2014). Agora, isso não é uma lista de potências econômicas? Até a publicação deste artigo, por várias e boas razões, os EUA não conseguiram sucesso com a imposição dessas sanções.

A prática de imposição de sanções às nações cujos atos desagradem aos EUA é uma política dirigida a objetivos ou tolos ou infames. É uma prática que visa à destruição da soberania de outras nações, e pelo que sei, nunca se conseguiu tal coisa. Os EUA são uma nação narcisista que só enxerga o próprio reflexo em qualquer lugar para onde olhe. A húbris norte americana lhe permite acreditar que o mundo inteiro tem que trabalhar da mesma forma que os EUA. Então, porque desde o nascimento da nação a corrupção causada pela classe mercantil predomina na política econômica dos EUA, impondo as políticas nacionais, os norte americanos crêem que a classe mercantil de outras nações também tenha o poder de lhes ditar as políticas. Obviamente isso nem sempre acontece. Em Cuba e na Coréia do Norte a classe mercantil praticamente inexiste. No Irã, está submetida às ordens dos Aiatolás, em Myanmar e na Costa do Marfim, o controle é exercido totalmente pelos dirigentes corruptos. Quanto à Síria e a Rússia, o relacionamento entre o governo e a classe mercantil é no mínimo ambígua. Sancionar essas nações pode causar algum abalo em suas economias, mas é pouco provável que cause qualquer efeito em seus governos.

Para que se obtenha o resultado desejado pela aplicação de sanções, certas condições são necessárias. Qualquer nação sancionada deve ter uma grande classe mercantil com poder suficiente para influenciar seu próprio governo. O governo deve ser cuidadoso quanto às necessidades da classe mercantil. Segundo, não se consegue sancionar um país que tenha ou uma pequena demais ou uma muito grande carteira de comércio internacional. Em nada ajuda o governo de um país dizer aos seus comerciantes que não podem fazer negócios com outra nação com as quais eles já não têm comércio. Já dizer aos seus comerciantes que interrompam o comércio com determinada nação com a qual eles têm substancial negociação e interesse pode vir a ser economicamente mais prejudicial para a nação que sanciona que para a nação sancionada. Restam as nações com comércio internacional médio. Alguns danos podem ser causados ao se sancionar essas nações, mas não o bastante para fazê-las mudar. Tais sanções raramente são bem sucedidas. O que acontece quando elas falham? Fracassos muitas vezes levam à guerra.


Apenas um ano após os Estados Unidos sancionarem Cuba, o país foi invadido por um grupo paramilitar patrocinado pela CIA. Oito bombardeios B-26 fornecidos pela CIA atacaram os campos aéreos cubanos. Na noite seguinte os invasores desembarcaram na Baía dos Porcos. Eles pensavam que o povo cubano se levantaria e derrubaria o governo Castro. Em vez disso, viram o exército cubano cercar e prender os invasores em apenas três dias. A invasão foi uma vergonha para os Estados Unidos; Em grande parte da América Latina e do mundo foi comemorada a falibilidade do imperialismo dos Estados Unidos. Não obstante o fracasso, os EUA tinham começado com sua guerra de sanções. Desde então os norte americanos tem lutado guerras às vezes sem aviso ou conhecimento, em numerosos lugares onde as sanções falharam: os Balcãs, Iraque, Líbano, Líbia, Somália, Sudão – outra lista de potências econômicas. Sanções após a guerra, mesmo quando as guerras falham é um absurdo.  Assim, a política de guerra evolui para a de assassinatos.

Talvez o propósito das sanções, guerras que lhes acompanham e assassinatos subsequentes não seja o sucesso nem a provocação de mudanças. É absurdo, mas deve haver uma explicação para isso. Quem sabe uma explanação possa ser obtida através do exame do sistema penal americano.

Toda sociedade tem cidadãos que de tempos em tempos colocam os outros em risco. Eventualmente esses indivíduos podem colocar em risco a própria existência da sociedade como tal. Em sociedades primitivas esse pessoal é simplesmente extirpado, banido ou exilado. Na infância histórica dos Estados Unidos, essa forma de punição foi usada pelos puritanos quando eles exilaram Roger Williams, que foi o fundador de Rhode Island e da Primeira Igreja Batista. A teologia de Williams colocou em risco a unidade religiosa da sociedade puritana. De muitas formas, o sistema penal atual é mais duro e desumano com os inconformados que o exílio. Porém como é cada vez mais difícil encontrar lugares onde exilar alguém, acabou por prevalecer o sistema penal atualmente vigente. As coisas se tornam então complicadas. Em vez de simplesmente remover cidadãos que apresentam perigo da sociedade, o povo começou a usar as prisões como forma de punição, e é nisso que se transformaram as prisões atualmente. Quando uma vítima diz: “quero que seja feita a justiça” ele/ela está dizendo que quer a punição do criminoso. Então os perpetradores de crimes pagam o preço de ficar aprisionados pela sociedade e a sociedade para o preço do custo de manter o sistema penal como um todo. O preço é pago tanto pelos criminosos quanto pelos cidadãos que respeitam a lei. O intuito do sistema penal é meramente punitivo, independente do custo. Não há outra função.

Nunca houve qualquer resultado favorável aos Estados Unidos oriundo das sanções contra Cuba e a Baía dos Porcos, mas isso não importa. O povo de Cuba está sendo punido há mais de meio século por não ter se levantado em revolta e derrubado o governo de Castro em 1961. As ações de Saddam Hussein são a causa da punição do povo do Iraque. Da mesma forma, o povo afegão está sendo punido porque seu governo não entregou Osama Bin Laden aos Estados Unidos quando lhes foi solicitado, para que fosse julgado por ter supostamente planejado o incidente de 11/9. Não importa se essa punição tenha custado muito caro aos Estados Unidos. O custo das punições não vem ao caso. Mas essa política não é exclusividade dos EUA. O mundo ocidental vem punindo os palestinos pelo holocausto que a Europa ocidental infligiu aos judeus dessa mesma Europa! Não apenas não é importante o custo da punição, como também é irrelevante que povo será punido... Os EUA só continuam a aplicar essa política porque seus fracassos são anotados como sucessos. Fundamentalmente, o princípio que rege essas operações é deixar claro que o desprezo aos Estados Unidos fará despertar uma fúria tão grande que nem no inferno se achará igual.

John Kozy

John Kozy é um professor aposentado de lógica e filosofia, que escreve sobre questões sociais, políticas e econômicas. Depois de servir no exército dos Estados Unidos durante a guerra da Coréia, viveu 20 anos como professor universitário e outros 20 como escritor. Tem um livro publicado de maneira comercial, assim como tem publicações em revistas acadêmicas, além de um pequeno número de revistas da mídia, ocasionalmente escrevendo editoriais em jornais como convidado. Seus trabalhos online podem ser encontrados aqui: http://www.jkozy.com/  

Tradução: mberublue


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