domingo, 29 de junho de 2014

Enquanto Washington continua a mentir, uma Guerra Fria renovada por vingança.

por Paul C Roberts
tradução: mberublue



Para o complexo exército/segurança dos Estados Unidos, a Guerra Fria foi por décadas uma fonte de muito dinheiro, desde 05 de março de 1946, quando do discurso de Churchill em Fulton, Missouri, ao estabelecer a “Cortina de Ferro”, até o final dos anos 80, quando Reagan e Gorbachev decretaram o fim da Guerra Fria. Durante esta, os estadunidenses ouviram falar ad nauseam sobre as “Nações Cativas”. As nações cativas seriam os Estados Bálticos e o bloco soviético, normalmente chamado, de forma resumida, de “Europa Oriental”.

Seriam estes países nações cativas porque suas políticas externas eram impostas por Moscou, da mesma forma que outras nações também cativas como Reino Unido, Europa Ocidental, Canadá, México, Colômbia, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Taiwan, as Filipinas, a Geórgia e a Ucrânia, têm suas políticas externas impostas atualmente por Washington. Pretende ainda Washington expandir as suas próprias nações cativas cooptando o Azerbaijão, que formava antigamente parte da Ásia Central Soviética, Vietnam, Tailândia e Indonésia.

No transcorrer da Guerra Fria, os Estados Unidos tinham a Europa Ocidental e a Grã Bretanha como países soberanos e independentes. Fossem eles independentes ou não, certamente hoje não são. Estamos já há sete décadas passadas desde o final da Segunda Guerra Mundial e as tropas dos Estados Unidos ainda ocupam a Alemanha. Nenhum dos governos europeus tem coragem de propor qualquer coisa que seja diferente do que propõe o Departamento de Estado dos EUA.

Não muito tempo atrás, houve rumores e conversações tanto na Alemanha quanto no Reino Unido sobre sair da União Europeia, mas Washington entrou na conversa e declarou que estes países deveriam cessar tais assertivas porque não era do interesse de Washington que qualquer país saísse da União Europeia. A conversa cessou imediatamente. O reino Unido e a Alemanha são tão abjetamente vassalos de Washington que nenhum deles pode sequer fazer publicamente suposições sobre o próprio futuro.

Baltasar Garzon
Quando Baltasar Garzon, um juiz espanhol com autoridade judicial para investigação tentou indiciar membros do regime de George W. Bush por violação de leis internacionais por torturar detentos, foi imediatamente derrubado.

No livro Modern Britain (“guia” anedótico para entender a atual Bretanha - NT), Stephane Aderca escreve que o Reino Unido está tão orgulhoso de poder ser um “parceiro júnior” dos Estados Unidos, que o governo britânico aderiu a um acordo unilateral dos EUA, um tratado de extradição sob o qual basta que Washington faça uma mera declaração de “razoável suspeita” para que obtenha a extradição de pessoas do Reino Unido, mas este tem que demonstrar “causa provável” para a recíproca. Ser um “parceiro júnior” de Washington, relata Aderca, é uma espécie de compensação emocional para as elites britânicas, dando-lhes a sensação de que são importantes.

Sob as regras da União Soviética, a grande entidade que precedeu a Rússia atual, as nações cativas tinham performance econômica fraca. Sob as regras de Washington, estas mesmas nações cativas têm desempenho medíocre por causa da pilhagem movida por Wall Street e o FMI.

Giuseppe di Lampedusa
Como disse Giuseppe di Lampedusa, “As coisas têm grande chance de serem sempre as mesmas.” O saque promovido contra a Europa por Wall Street e que recaiu sobre a Grécia, Itália, Espanha, Portugal, Irlanda e Ucrânia, está agora centrada na França e na Grã Bretanha. As autoridades americanas estão exigindo do maior banco francês a quantia de 10 bilhões de dólares americanos sob a acusação forjada de que o banco estaria financiando comércio com o Irã, como se fosse problema de Washington com quem um banco francês resolve fazer negócios ou financiamentos.  Apesar da total subserviência da Grã Bretanha para com Washington o procurador geral do Estado de Nova Iorque instaurou um processo civil de fraude contra o Barclays Bank.

Provavelmente são corretas as acusações assacadas contra o Barclays PLC. Mas como a maioria do bancos americanos, provavelmente tão culpados como o Barclays não foram acusados de nada, a acusação dos Estados Unidos contra o Barclays siginifica que os grandes fundos de pensões e mutuais devem abandonar o banco, porque poderiam ser acusados posteriormente de negligência, caso mantivessem as contas em um banco acusado de fraude civil.

Claro que o resultado dessas acusações contra bancos estrangeiros feitas pelos Estados Unidos não poderia ser outro. Acontece então que bancos como o Morgan Stanley e Citigroup ganham vantagem competitiva, e acabam por açambarcar o mercado desses valores em seus próprios dark pools (resumidamente, mercado privado que negocia valores mobiliários, mas fora do alcance dos investidores comuns, do público em geral. Quando há liquidez nestes mercados ocultos ao público, é chamada de “dark pool liquidity”. O nome significa que esse tipo de comércio é escondido do público em geral, como se estivesse mergulhado em uma piscina de água turva – [NT]).

Então, o que isso tudo significa? Certa e claramente, estamos presenciando o uso da lei dos Estados Unidos para criar hegemonia financeira para as instituições estadunidenses. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (sic) teve provas por cinco anos da participação do Citigroup na fixação da taxa de juros LIBOR, mas nem chegou perto de sequer pensar em uma acusação.

Os governos comprados e já pagos dos estados europeus fantoches de Washington são tão corruptos que os líderes permitem que Washington mantenha o controle sobre seus países, para o avanço da hegemonia financeira, política e econômica dos Estados Unidos.

Em seu próprio benefício, Washington está organizando o mundo contra a Rússia e a China. Em 27 de junho, os estados fantoches de Washington que compreendem a União Europeia deram à Rússia um ultimato. Salta aos olhos o absurdo desse ultimato. Militarmente, os fantoches de Washington são inofensivos. A Rússia pode exterminar a Europa em alguns minutos. Daí, nós temos a situação esquisita em que o mais fraco dá um ultimato ao mais forte.

Governos europeus
A União Europeia, em obediência às ordens de Washington, disse para a Rússia que acabe com a oposição ao governo fantoche de Washington em Kiev, no sul e no leste da Ucrânia. Mas, como qualquer pessoa com um mínimo de instrução sabe, incluindo a Casa Branca, Downing Street nº 10 (residência oficial e gabinete do Primeiro Ministro Britânico, funcionando como sede do governo – [NT]), Merkel e Hollande, a Rússia não é responsável pelas agitações separatistas no leste e sul da Ucrânia. Estes territórios sempre foram parte da Rússia e somente foram adicionados à República Soviética da Ucrânia pelo Partido Comunista Soviético quando a Ucrânia e a Rússia faziam ambas parte de um mesmo país.

Agora, esses russos querem voltar a fazer parte da Rússia porque foram ameaçados pelo governo fantoche instalado por Washington em Kiev. Washington está determinado a forçar Putin a uma ação militar, a qual pode ser usada para justificar ainda mais sanções, e nesse intento não quer resolver a situação, e sim piorá-la.

O que será que Putin fará? Ele tem 72 horas para se submeter a um ultimato de uma coleção de países marionetes que ele pode destruir a qualquer momento, ou prejudicar seriamente somente com a interrupção do fluxo de gás natural da Rússia para a Europa.

Historicamente, esse tipo de desafio estúpido ao poder pode resultar em más consequências. Mas Putin é um humanista a favor da paz. Ele não desistirá voluntariamente de sua estratégia de mostrar à Europa que as provocações não vêm da Rússia e sim de Washington. A esperança de Putin e da Rússia, é que a Europa eventualmente compreenda que está sendo usada de forma vil por Washington.

Washington tem centenas de ONGs financiadas pelos Estados Unidos na Rússia, escondidas atrás de vários disfarces, como por exemplo, “direitos humanos”, e Washington pode liberar esses ONGs contra Putin à vontade, como já fez nos protestos conta a eleição de Putin. As quintas colunas de Washington acusaram Putin de ter roubado as eleições, mesmo após várias pesquisas mostrarem que Putin foi o vencedor claro e indiscutível das eleições.

Em 1991, os russos ficaram, em sua maior parte, muito contentes em se libertar do comunismo e olharam para o ocidente como um aliado para a construção de uma sociedade civil baseada na boa vontade. Esse foi o erro da Rússia. Como as doutrinas de Brzezinski e Wolfowitz deixam bem claro, a Rússia é o inimigo cujo crescimento e influência devem ser combatidos a qualquer custo.

O dilema de Putin é que ele está preso entre o profundo desejo de chegar a um acordo com a Europa e o desejo desta e de Washington de demonizar e isolar a Rússia.

Putin corre o risco de que seu desejo de acordo seja explorado por Washington e apresentado à União Europeia como sinais de fraqueza e falta de coragem. Washington está dizendo a seus vassalos europeus que o recuo de Putin ante as pressões da Europa comprometerão seu status na Rússia e no momento certo Washington liberará suas centenas de ONGs para levar Putin à ruína.

Foi o que aconteceu na Ucrânia. Com Putin trocado por um russo submisso e muito bem recompensado, apenas a China permanecerá como um obstáculo para a hegemonia dos Estados Unidos no mundo.


Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da ReaganomicsEx-editor e colunista do Wall Street JournalBusiness Week e Scripps Howard News ServiceTestemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch e no Information Clearing House, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.

Tradução: mberublue


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