terça-feira, 13 de outubro de 2015

Paisagem estratégica do Oriente Médio: mudanças drásticas (parte1 de 2) 

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Tradução pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu     <===>    



"Uma estranha união de duas fontes da política externa dos EUA está na raiz da estratégia falhada dos EUA na Síria. Uma compreende o establishment de segurança dos EUA, incluindo os militares, as agências de inteligência e seus apoiadores no Congresso. A outra fonte emerge da 'comunidade de direitos humanos'. Essa fusão peculiar já é evidente em muitas das guerras recentes dos EUA no Oriente Médio e na África. Os resultados têm sido consistentemente devastadores para os EUA."


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Washington cavou a própria cova na Síria


Apesar da diversidade de opiniões sobre a operação russa na Síria, praticamente todos concordam que aquela operação comprova o fracasso da política ocidental para a Síria. A ação russa terá efeito de longo alcance no Oriente Médio. Há quem preveja fracasso, mas avaliação imparcial mostra que aconteceu no momento exato para interferência ativa no já muito prolongado conflito sírio. A escolha do momento foi perfeito sucesso.

As Forças Aeroespaciais Russas são capazes de mudar drasticamente o equilíbrio de forças naquela região. E intervenção efetivamente exclui a possibilidade de a guerra síria deslizar para conflito internacional de maior escala.

Resultado de imagem para Aviação russaÉ óbvio que quando os EUA provocaram crise aguda na Ucrânia – área onde a Rússia tem interesses vitalmente importantes – há praticamente dois anos, a operação tinha o objetivo de desviar para longe da Síria a atenção de Moscou, que sempre apoiou o presidente Assad. A Casa Branca, então, estava convencida de que o retumbante fracasso de sua estratégia para o Oriente Médio não era sua culpa – sempre há alguém a quem culpar. Tudo sugere que ainda permaneçam sob efeito desse abençoado delírio. No calor da crise ucraniana, os EUA tiveram relativa liberdade de ação. E enquanto isso, a situação na Síria piorou muito, inclusive com ampliação das atividades terroristas.

Até que, sem que ninguém esperasse, o envolvimento da Rússia na crise da Ucrânia tornou sua posição ainda mais forte no Oriente Médio.

Resultado de imagem para CrimeiaUma das razões é a Península da Crimeia. É segredo conhecido de todos que se a península não tivesse sido convertida em parte integrante do território da Rússia, as atividades militares dos russos no Mediterrâneo Oriental ficariam seriamente limitadas. A Crimeia tem importância estratégica crucial, para o apoio logístico às Forças Aeroespaciais Russas. A península permite criar uma "bolha" que protege operações militares no Mar Negro e na porção oriental do Mediterrâneo. Especialistas em relações exteriores foram surpreendidos, eles também, com a rapidez com que a Rússia reforçou muito suas capacidades militares na Crimeia.

A evidência de que a península passava a ser parte da Rússia tornou irrelevantes os cenários de "apocalipse" previstos para a Síria. O Comandante Supremo das Forças Aliadas na Europa e Comandante do Comando Europeu dos EUA, general de quatro estrelas Philip Breedlove 
disse, que com a Crimeia integrada ao território russo "a Rússia desenvolveu muito forte capacidade de defesa com essa área de acesso negado [orig. anti-access area denial (A2/AD)] no Mar Negro". "Essencialmente, o alcance de seus mísseis cruzadores [antinavios] cobre todo o Mar Negro, e seus mísseis de defesa cobrem 40-50% do Mar Negro," observou o general. "Estamos um pouco preocupados quanto a uma segunda bolha A2/AD que possa ser criada no Mediterrâneo Oriental", acrescentou Breedlove.

Jeffrey Sachs, economista e especialista em política norte-americana, conselheiro especial do secretário-geral da ONU, 
entende que "a abordagem atual que os EUA criaram – guerra em dois fronts, contra o Estado Islâmico e o regime do presidente Bashar al-Assad – fracassou miseravelmente". 

Uma estranha união de duas fontes da política externa dos EUA está na raiz da estratégia falhada dos EUA na Síria. Uma compreende o establishment de segurança dos EUA, incluindo os militares, as agências de inteligência e seus apoiadores no Congresso. A outra fonte emerge da comunidade de direitos humanos. Essa fusão peculiar já é evidente em muitas das guerras recentes dos EUA no Oriente Médio e na África. Os resultados têm sido consistentemente devastadores.

O problema, como os militantes dos direitos humanos já deveriam ter aprendido há muito tempo, é que o modelo de mudança de regime inventado no establishment de segurança dos EUA não funciona. Com preocupante frequência leva ao caos, à anarquia, à guerra civil, a crises humanitárias cada dia mais terríveis, exatamente como aconteceu no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e, agora, na Síria. Jeffrey Sachs escreve que "Se os EUA desejam melhores resultados, têm de parar de agir sozinhos. Os EUA nada podem impor unilateralmente, e insistir em tentar só faz pôr outros países poderosos, inclusive China e Rússia, contra os EUA. Como os EUA, a Rússia também tem forte interesse na estabilidade na Síria e em derrotar o chamado 'Estado Islâmico'; mas a Rússia não tem interesse algum em deixar que os EUA implantem regimes que só os EUA elejam, mais ninguém, na Síria ou em qualquer outro ponto na região."

EUA e aliados lançaram a operação contra o chamado 'Estado Islâmico' (EI) há um ano. Os resultados são espantosos. Depois de 7 mil ataques, o esforço foi-se pelo ralo. O resultado é praticamente o oposto do esperado. Desde que a coalizão anti-EI foi formada, o grupo só avançou e obteve novos territórios, tomou as províncias de Al Anbar e Ramadi no Iraque, as cidades sírias de Deir ez-Zor e Palmyra (a cidade esteve em todos os jornais e televisões há bem pouco tempo), além de outros territórios. Os militares não são os únicos culpados. A maior responsabilidade pesa sobre os políticos.

Os EUA não bombardearam o EI em áreas próximas à linha em que lutam com forças do governo, onde os alvos poderiam ser facilmente identificados por reconhecimento aéreo, porque supuseram que isso ajudaria Assad. Em vez disso, atacaram territórios controlados pelo EI e áreas urbanas onde os militantes misturam-se com civis. Disso resultou número significativo de civis mortos. Na maioria das vezes, a aviação dos EUA atacou infraestrutura do Estado sírio, estradas, pontes etc., empurrando a Síria de volta à Idade da Pedra. É evidente que as forças do governo sírio, equipadas com carros pesados, precisam muito mais de estradas que as formações do EI, mais leves e de alta mobilidade.

A operação lançada pelas Forças Aeroespaciais Russas deu aos militares norte-americanos uma espécie de ímpeto para revisar a situação. O comando começou a considerar um cenário que visaria a estabelecer controle sobre a parte oriental da Síria, incluindo Al-Raqqah, capital do 'Estado Islâmico', "para manter-se um passo à frente dos russos", preparando no Eufrates uma versão invertida do encontro no Rio Elbe (25/4/1945). Mas as chances são zero.

Os EUA excluem a opção de coturnos em solo, sobretudo durante a campanha pré-eleitoral. Há quem defenda o uso de unidades de infantaria de forças locais para lançar uma ofensiva, por exemplo, formações dos curdos sírios. Se pelo menos a Casa Branca conseguisse ver as coisas como são, por um minuto, que fosse, sem o filtro que a sua própria propaganda impõe a todos os fatos e circunstâncias! 

Se acontecesse, perceberiam que os curdos jamais deixarão o território que controlam hoje. A única "infantaria" capaz de dar combate ao "Estado Islâmico" em todos os fronts na Síria é o exército regular do Estado sírio. Ninguém estranhou quando Washington deixou sem resposta as várias solicitações do ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, para que partilhassem a informação sobre posições do 'Exército Sírio Livre'.

Os EUA caminharam diretamente para dentro de uma armadilha estratégica. Não importa o que façam, as coisas só podem piorar. Emprestar seu apoio à Rússia nessa luta contra o terrorismo seria atitude de bom senso e a melhor solução para todos. Mas Washington rejeita essa via, porque entende que ameaçaria sua credibilidade no Oriente Médio e fortaleceria a posição de Moscou na região. Cabeças quentes nos EUA e na Arábia Saudita exigem que se unam e armem todos e quaisquer grupos da oposição síria. 

Mas para lutarem a favor do quê? A favor do EI, grupo que chocou o mundo com imagens de assassinatos em massa, extermínio de cristãos e destruição de sítios históricos? Nem as mentes mais ousadas da propaganda norte-americana conseguirão jamais mostrar tal aliado sob luz favorável.

Reagindo aos eventos na Síria e à ativa intervenção russa, a Casa Branca ainda tem de levar em conta a opinião pública. Segundo pesquisas, os norte-americanos dificilmente aceitariam que seu país apoiasse 'oficialmente' o terrorismo internacional. E esse, precisamente, seria o significado de qualquer tentativa, pelos EUA, para obstruir a ação militar dos russos.

Nesse sentido vale a pena anotar a posição de Donald Trump nome atualmente mais cotado para ser o candidato dos Republicanos à presidência. Dia 29 de setembro, Trump 
disse ao programa "Today", da rede NBC: "Concordo com o grupo que diz 'se a Rússia quer ir e lutar contra o ISIS, deixem que vá'. É o oposto de dizer 'estamos com ciúmes, não queremos que vocês façam isso.'"

Perguntado sobre sua atitude em relação ao governo sírio, Trump 
disse em entrevista à rede CNN dia 6 de outubro, que não entende muito bem quem assumiria o lugar de Assad: "Eu, com certeza, gostaria de poder prever como a coisa aconteceria. Gostaria de saber melhor quem são essas pessoas às quais tanto queremos entregar bilhões de dólares. Não temos nenhuma ideia. OK, Assad não é bom sujeito, mas há piores. Quem sabe esses que nós estamos pagando não são ainda piores? Ninguém sabe. Ninguém tem nem ideia."

Emma Ashford do Cato Institute escreve em artigo na revista Newsweek: "Funcionários dos EUA devem evitar grande intervenção na Síria, onde uma reação emocional irrefletida às ações da Rússia pode ser desastrosa." Seria tolice aumentar o apoio a grupos extremistas, só porque a Rússia os vê como alvos – o inimigo do meu inimigo nem sempre é meu amigo. A autora oferece solução simples: não ficar no caminho e não atrapalhar os russos.

Talvez essa seja a melhor coisa que os EUA podem fazer, nas atuais circunstâncias. Sem dúvida, Washington não deixará passar nenhuma oportunidade para 'declarar' que os pilotos russos não têm treinamento profissional, que os ataques são "indiscriminados" e/ou disparados contra alvos errados... O modo correto de reagir a isso já foi definido. Prioridade total à máxima acuidade e transparência. É mais difícil distorcer alguma coisa, quando os eventos são divulgados em tempo real.

A Crimeia ofereceu experiência valiosa. A reincorporação da Crimeia marcou um ponto de virada no que tenha a ver com a influência da península no pensamento estratégico russo. [Continua]

Dmitry Minin -


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