domingo, 25 de outubro de 2015

Rússia e Irã: ideias comuns sobre a Síria
      
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MK Bhadrakumar, Indian Punchline      

Tradução pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu                            


Sochi – Recebemos um presente, um verdadeiro regalo, com o presidente do Parlamento do Irã, que visitava a Rússia, Ali Larijani (figura chave do pensamento de segurança e de política externa do Irã), voando para Sochi, para sentar-se ao lado do presidente Vladimir Putin na bancada, na 6a-feira, para falar aos membros do Clube Valdai, em sessão de perguntas & respostas conosco, que durou quase três horas. Síria, Ucrânia, defesa de mísseis e relações Rússia-EUA – como se poderia prever – foram os tópicos que mais mobilizaram a atenção da plateia quase integralmente ocidental.

O 'tópico mais quente' foi, claro, a Síria, depois da inesperada visita do presidente Bashar al-Assad a Moscou, na 3a-feira pela manhã. (Ver minha coluna 
Putin reforça amão de Assad na Síria.) Pouco se sabe das posições de russos e iranianos sobre a Síria, mas há muita especulação ultimamente na mídia ocidental (e israelense), de que Rússia e Irã não estariam na mesma página no que tenha a ver com o futuro da Síria, e que seria só questão de tempo, até que as contradições apareçam.

Verdade é que Rússia e Irã perseguem objetivos diferentes na Síria, mesmo que ambos estejam em guerra contra o Estado Islâmico (EI) e outros grupos extremistas, mas Teerã tem também uma agenda para a Síria, seja porque o país é visto como uma linha de frente na chamada 'resistência' contra Israel, seja em termos da ligação entre Teerã e o Hezbollah no Líbano (além, claro, da rivalidade com a Arábia Saudita). Mais uma vez, a Rússia teria considerações geopolíticas, na Síria; e o Irã tem a cumprir os seus compromissos como República Islâmica. (...) (Para o discurso de Putin, ver 
neste blog Guerra e Paz Revisitadas, Pepe Escobar) e discurso traduzido parte 01 e parte 02

Os principais pontos da fala de Larijani foram:

– "Concorda totalmente" com a análise de Putin sobre a Síria.

– Para o Irã, não há qualquer dúvida quanto à legitimidade da ação militar russa na Síria.

– Comparada às operações contra o EU, por mais de um ano, pela coalizão liderada pelos EUA, as operações russas já se provaram efetivas. De fato, a Rússia já obteve "muito mais" que a coalizão liderada pelos EUA em 18 meses.

– O EI transporta o petróleo que rouba do Iraque em caminhões que se deslocam em longos comboios. “Os EUA nunca veem esses comboios?” Os EUA fracassaram e não conseguiram libertar nenhum território ocupado pelo EI no Iraque. Estão "jogando jogos" com o EI e virtualmente "entregando" territórios iraquianos ao EI.

– As agências de inteligência de "algumas grandes potências" têm negócios secretos com o EI, fornecem armas a eles dentre outros itens, com vistas a servir-se deles como instrumentos para promover seus próprios interesses. (Putin também, indiretamente, mas bem firmemente, aludiu a essa colusão entre os EUA e o EI.) O EI obtém apoio financeiro gigante, de estados da região.

– Têm de haver “laços estratégicos de longo prazo" entre "países responsáveis", para que se desenvolva confiança entre eles para enfrentar o terrorismo.

Ambos, Putin e Larijani afirmaram que a unidade da Síria tem de ser preservada, porque qualquer divisão do país só fará prolongar o conflito. Os dois repudiaram a exigência, pelos EUA, de que Assad teria de sair. Putin disse que, quanto a isso, "uma eleição imparcial, sem vieses, decidirá"; que a transição terá de ser decidida pelos sírios, governo e oposição, e Assad está aberto a dialogar com a oposição. Larijani apoiou a visão de Putin, de que cabe à nação síria decidir sobre o próprio governo. Perguntou, retoricamente, como "países que jamais tiveram um presidente eleito e nem permitem que as mulheres dirijam automóveis poderiam dar lições" sobre liderança da Síria.

Chamou a atenção que Putin e Larijani foram em vários momentos impiedosos em suas críticas às políticas dos EUA (embora, muito significativamente não houvesse nem retórica nem tom de condenação naquelas críticas). Parece que bem claramente ainda não há sinal de qualquer 'reset' nas relações russo-norte-americanas – apesar de se observar rebaixamento palpável das tensões em torno da Ucrânia e a gradual aceleração do 'processo Normandia'. Quanto a Larijani, com certeza, o acordo nuclear para o Irã não reduziu as desconfianças do Irã quanto às intenções do 'Grande Satã'. (Larijani é filho do Corpo de Guardas Islâmicos Revolucionários.)

Não surpreendentemente, o sistema dos mísseis de defesa dos EUA continua a ser ponto aparentemente insuperável de discórdia entre Moscou e Washington. A menos que os EUA desistam de instalar o sistema de mísseis de defesa, questão sobre a qual já há decisão tomada, as relações EUA-Rússia permanecerão problemáticas. E é altamente improvável que o próximo governo dos EUA venha a desistir da planejada alocação de mísseis na Polônia. O que significa que, em 2020, haverá mísseis cruzadores dos EUA instalados na Europa Oriental. Num dado momento, Putin disse em tom amargo que os EUA "enganaram" a Rússia na questão dos mísseis de defesa.

Interessante: os delegados norte-americanos (dentre os quais o ex-embaixador dos EUA na União Soviética e conhecido especialista em Guerra Fria Jack Matlock, 'entendido' em Rússia de reconhecida capacidade, que serviu de intérprete na grande conversa que tiveram Nikita Khrushchev e John Kennedy, e foi protagonista chave, mais tarde, na diplomacia dos EUA para Moscou durante as negociações que levaram ao fim da Guerra Fria em 1988-89, e invejável testemunha das políticas do Kremlin que levaram ao colapso da União Soviética e autor de três importantes volumes sobre isso) fizeram algumas sondagens indiretas sobre a eficácia de se reiniciarem as conversações de desarmamento. Mas Putin não respondeu positivamente. Obviamente, o presidente Barack Obama, cujos olhos vasculham os céus à procura de algum 'legado' da própria presidência, quer apresentar alguma realização tangível no campo do desarmamento, e a mensagem dessa 'diplomacia' de via alternativa foi que 'alguém aqui pode estar querendo'. Mas Putin não mostrou interesse – pelo menos hoje.

Mas ocorreu-me um pensamento, dentre outros, de que a abertura dos EUA na direção do Paquistão noticiada recentemente sobre um acordo nuclear foi mencionada por mais de um delegado norte-americano na Conferência do Clube Valdai, como ensaio de uma agenda de Obama, de desarmamento. O Sul da Ásia foi mencionado mais de uma vez, como região onde há programas nucleares crescentes, e o Paquistão como o país com máxima produção em andamento de armas nucleares. Com certeza, o interesse dos EUA em de algum modo retardar ou limitar o programa de armas nucleares do Paquistão tornou-se muito visível nas conversações dos últimos cinco dias.

Nós, indianos, de algum modo sentimos que Obama está fazendo um favor ao Paquistão, ao negociar um acordo nuclear. Mas me parece que o Paquistão não está apressadíssimo para morder a isca de Obama. Pode-se dizer que o Paquistão pode acabar por se ver no mesmo barco que a Rússia – potência muito mais fraca em forças convencionais que o principal adversário, que dependerá muito da própria capacidade de contenção nuclear para manter ao largo a beligerância flagrante do rival. A 
Agência TASS publicou texto da sessão de perguntas e respostas de Putin em interação conosco, na Conferência do Clube Valdai.


M K Bhadrakumar -


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